16 de setembro de 2011

Algumas palavras

Prefácio da 1ª edição (de 1922) do opúsculo "A felicidade de todos os seres na sociedade futura"

Algumas palavras

ACABO de ler, rapidamente, de um fôlego, as palavras que Gonçalves Corrêa pronunciou em Évora após o Congresso dos Rurais naquela cidade realizado. O seu autor é conhecido pelas suas ideias e pela desassombrada e tenaz propaganda que delas faz. Dispensa por isso uma longa apresentação. Basta dizer-se – e é isso que convém acentuar – que ele veio atraído à sedutora verdade dos ideais que perfilha mais pelas solicitações do seu coração, do que pelas necessidades da sua inteligência ou do seu estômago. Por isso Gonçalves Corrêa ataca a sociedade com mais lirismo que precisão.

Na Conferência que os leitores vão analisar, finda a rápida leitura destas palavras, encontrarão uma exaltação sentimental, quase mística, expandindo-se sem ódio na sua crítica ao presente, sem dúvida na sua visão sobre o futuro.

Em Gonçalves Corrêa o crente supera, em muito, o convicto. Se não se afasta da verdade, se não receia profundar a triste realidade da vida e a estúpida brutalidade das coisas, contudo e visão profética do futuro é mais vigorosa que a sua crítica ao presente e as sias alusões demolidoras ao passado. Para o conferente que venha analisando, o mal é considerado mais como uma incoerência da alma humana, um atrofiamento do raciocínio do que uma realidade viva e descoroçoadora. Os homens, terão um dia, um dia que certamente chegará, esclarecedor e luminoso, que expurgará de tudo o que os impede de viver em justiça e beleza.

Vem agora a propósito colocar uma pergunta que numa época de tão profundo egoísmo e embrutecimento como esta, preocupação muitos corações e muitas inteligências: serão responsáveis os ideais que Gonçalves Corrêa preconiza? Não hesito em responder afirmativamente.

Por muito que pese aos pessimistas e a alguns cépticos o anarquismo há-de escrever na história humana, talvez, as suas mais belas páginas. A ideia de que a felicidade aumenta entre os homens quando eles cessem de se explorar mutuamente, vai entrando, lentamente mas profundamente, no espírito dos contemporâneos. A queda que não é tolice, nem audácia, anunciar para breve duma civilização contrária aos interesses e aos destinos humanos será um grande passo sobre o futuro. A sociedade humana que tem vivido sobre o arbítrio de uma minoria, terá fatalmente de se orientar na ciência e guiar-se pelas suas leis. Mas, quando substituirá a ciência o empirismo, a justiça a iniquidade, a liberdade a tirania? Eis uma interrogação a que só poderão responder os próprios homens, Da sua vontade depende a alvorada duma vida livre. E bem fazem os que, como Gonçalves Corrêa, semeiam sem a preocupação da data em que o fruto amadureça e se possa colher.


Cristiano Lima
(Jornalista, Chefe de Redacção d'A Batalha (1927) e, posteriormente, Director do Diário de Notícias)

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