21 de outubro de 2012

Escola Proletária

O artigo "escola proletária", da autoria de Gonçalves Correia, foi publicado em 1914, no n.º164 (ano IV, página 1) da publicação bejense "O Operário". A sua publicação neste blogue deve-se à gentileza da investigadora e professora Francisca Bicho, que actualizou a ortografia utilizada à época pelo anarquista alentejano.

ESCOLA PROLETÁRIA
por António Gonçalves Correia

Os trabalhadores de todo o mundo, sem dúvida pelo facto de falta de conhecimentos sobre formas de ensino, têm até hoje, na sua grande maioria, entregado os seus filhos à influência da Escola burguesa, parecendo-me que essa é uma das principais razões que retarda o advento da encantadora sociedade fraternal e justiceira por que pelejo com sincero entusiasmo.

A Escola proletária, que por proletários devia ser criada e que por proletários devia ser mantida, faz tanta falta como o pão que nos alimenta, e se até hoje se tem cometido o crime – e que tremendo crime! …de não lhe dedicar os carinhos de que ela necessita, outro rumo se deve seguir sem perda de tempo.

O Estado, que é em toda a parte, quer nas Repúblicas quer nas Monarquias, o bordão possante onde os grandes se amparam, e, ao mesmo tempo, o látego sempre rígido onde os humildes têm manchas do seu sangue generoso, lançou mão da Escola e esta é, o que todos nós sabemos.

Às crianças – arbustos flexíveis que facilmente se adaptam – não se ensina a verdade porque os professores, embora a conheçam e a queiram divulgar amplamente, têm receio – e justificado receio das iras brutalíssimas e arrogantes do patrão – Estado.

A mentira propaga-se, semeia-se no cérebro embrionário das crianças frequentadoras da Escola, e só mais tarde no Estado adulto, se observam os seus perniciosos efeitos.

A verdade não se ensina às pobres criancinhas por que desse ensino resultaria a que da rápida de todas as tiranias e de todos os privilégios. Não exagero. Faço uma afirmação verdadeira.

A Escola burguesa não é um templo de ciência. É um recinto onde se criam autómatos.

Ainda há pouco tempo, numa das mais pitorescas vilas deste Alentejo de fortunas acumuladas, eu observei este tristíssimo espectáculo:

A população escolar, formada militarmente defronte do edifício onde se deviam formar cérebros e corações, obedecia disciplinadamente aos gritos enérgicos e autoritários do professor – professor! … - que de látego em punho, qual domador de feras domesticadas, a preparava para a defesa da pátria …

Virão dizer-me, talvez, que nada há mais justo que a defesa da nossa pátria. Da nossa?

Mas então sempre será verdade que ela é para todos a mesma carinhosa mãe?

Terrível, bem terrível é a convencional mentira patriótica.

Em lugar da mentirosa Escola conservadora e reaccionária que o Estado mantém, deve surgir, cintilante e esplêndida, a Escola fraterna e humana criada pelo esforço dos trabalhadores.

Bem sei que esta obra, como todas aquelas onde a Liberdade pretende imperar, tem inimigos audaciosos e que, por isso mesmo, é difícil. Concordo que seja relativamente difícil. Mas como a palavra difícil não é sinónimo de impossível, segue-se que essa dificuldade pode desaparecer.

Que isto é um sonho, virão dizer-me os egoístas. Será.

Mas como a minha observação me tem demonstrado praticamente que os sonhos dum dia podem ser a realidade do dia seguinte, é este sonho tão lógico que oxalá muitos sonhadores vão aparecendo.

Pois que surja, que se crie em todo o mundo a Escola proletariana, igualitária e emancipadora, no intuito de, pela preparação cuidadosa e científica dos caracteres, dos cérebros e dos corações, fomentar a queda do velho mundo de iniquidades e de infâmias.

Os ignorantes, aqueles que, tendo uma regular educação física, têm uma falta lamentável de educação intelectual, virão dizer-me que essa Escola se não cria só com palavras e com a boa vontade.

Que essa Escola se não levanta porque o mundo há de ser assim toda a vida …

Isso sim! Toda a vida? Não! Nunca! Não o consentirá o progresso, não o tolerará a justiça!

Mas como criar a Escola proletária? Lutando, pois que sem luta não há vida.

Lutando em que campo? Primeiramente no campo económico. Depois no campo cientifico.

No campo económico? Sim, nas Associações de classe e nas cooperativas de produção e consumo.

É certo que a ala imensa e sofredora dos salariados não sabe o que isso queira dizer. Pois se não sabe, que aprenda. Desse saber virá a sua felicidade e a felicidade dos seus filhos.

Estão desorganizados e dormentes os proletários? Pois que se organizem e que durmam menos.

Que se associem e que lutem conscientemente. Desse esforço resultará todo o bem para a humanidade inteira, livre de grilhões que a prendam e de parasitas que suguem!

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